Conceitos Financeiros e Contábeis

Alguns impactos da IFRS 15 e IFRS 16 no Orçamento Empresarial

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Fonte da imagem: https://stocksnap.io

No ano de 2014, o IASB (International Accounting Standard Board) emitiu uma nova norma de reconhecimento de receita com o título “Receita de Contratos com Clientes” a qual recebeu o código IFRS 15. Já no ano de 2016 ocorreu uma segunda emissão, IFRS 16, que modifica a forma como as empresas devem contabilizar as transações que envolvam arrendamentos.

A obrigatoriedade da primeira (IFRS 15) ocorre no ano de 2018, enquanto a segunda (IFRS 16) em 2019. Estas duas publicações têm gerado uma série de debates e discussões entre os profissionais das áreas contábeis pela possibilidade grande impacto em alguns de seus procedimentos.

Apesar de representarem pontos de atenção para os departamentos contábeis, também demandam a análise dos profissionais responsáveis pela elaboração e controle dos orçamentos empresariais, pois podem forçar a realização de modificações em algumas de suas estruturas.

As principais modificações da IFRS 15

De uma maneira resumida, a IFRS 15 altera o entendimento do reconhecimento da receita, baseado na transferência de riscos e benefícios para uma avaliação sobre o controle. Este novo modelo apresenta o conceito de obrigação de desempenho, ou seja, aquilo que no evento se compromete entregar à outra parte. No caso, a sua satisfação pode ocorrer tanto em momento específico quanto no decorrer de um período, sendo esta compreensão o direcionador para o reconhecimento da receita.

O grande impacto gerado por esta norma poderá ser observado em empresas que comercializam produtos mistos ou conjugados, sendo um exemplo muito utilizado para compreensão, o caso de algumas empresas do segmento de telefonia.

Neste mercado, comumente são observadas negociações com a oferta de serviços de telefonia e internet, agregada à um aparelho telefônico. Em situações como esta, dois lançamentos deverão ocorrer pois o entendimento é que são receitas de operações distintas que, consequentemente, deverão ter reconhecimentos segregados e poderão ser registrados em momentos distintos.

Esta modificação obrigará muitas empresas a alterarem tanto seus procedimentos de lançamento de receitas quanto os sistemas de contabilização. Estes últimos sofrerão impactos na segregação de itens negociados e na criação de novos processos de apropriação ao longo de vários períodos, gerando a necessidade de cálculos e controles adicionais.

As principais modificações da IFRS 16

Esta nova norma altera de maneira significativa a forma como as companhias arrendatárias (aquelas que utilizam esta modalidade de contratação para ter acesso a determinados ativos) passarão a reconhecer os seus contratos de arrendamento.

Com a entrada em vigor da nova instrução, estas empresas, com poucas exceções, deverão contabilizar as operações de maneira semelhante à aquisição de um ativo.

Ao realizar esta modificação na forma de registro dos contratos, a tendência é que ocorram aumentos no ativo não circulante (derivado do reconhecimento do direito de uso do bem) e no passivo, tanto circulante quanto não circulante (em virtude do registro das obrigações relacionadas).  Como estes novos ativos serão depreciados, as empresas deixarão de reconhecer despesas de arrendamento para contabilizarem depreciação em seu resultado.

Estas alterações irão trazer impactos não somente na estrutura e procedimentos contábeis, mas também em indicadores financeiros das empresas como o EBITDA, por exemplo.

Os possíveis impactos nos orçamentos empresariais

Na elaboração de um orçamento empresarial, o que se utiliza não é a contabilidade financeira, ou societária, mas sim a gerencial, a qual tem o objetivo de atender às necessidades de informações dos gestores para a tomada de decisão, de acordo com o seu modelo de gestão. Esta diferença faz com que, não necessariamente, sejam seguidas rigorosamente as regras da contabilidade oficial.

Apesar de existirem diferenças nas estruturas e objetivos das informações, a contabilidade gerencial é derivada da financeira ou societária e, desta forma, pode sofrer impactos quando uma nova norma é editada, sendo este o caso para as IFRS 15 e 16.

No caso da IFRS 15, poderá haver a necessidade de que sejam criados nos orçamentos diversos outros produtos ou serviços anteriormente inexistentes. Além disso, como estes podem apresentar momentos de reconhecimento distintos, é muito provável que seja necessário desenvolver novas regras de projeção e relacionamento com a DRE e Balanço Patrimonial orçados.

Uma eventual modificação no momento de reconhecimento da receita pode fazer com seja necessário alterar diversas regras de projeção nos processos de forecast e rolling forecast, pois deverá haver controle tanto dos saldos quantos dos fatores base para a apropriação nos períodos futuros, o que pode tornar o processo mais complexo que o atualmente praticado por algumas empresas.

Caso a empresa não utilize planilhas eletrônicas para planejamento e controle do orçamento empresarial, mas sim softwares especializados, muito provavelmente existam estruturas de interface de dados com os sistemas contábeis visando trazer as informações para o acompanhamento do real versus orçado. Havendo impactos derivados da IFRS 15, podem surgir, além de novos produtos, outros programas legados para contabilizar de maneira segregada os novos itens e controlar o seu reconhecimento. Desta maneira, em casos como este, talvez seja necessário rever a estrutura de interface de dados entre os diversos sistemas.

Observando as modificações derivadas da IFRS 16, deve-se destacar que as regras de projeção orçamentária de uma série de gastos serão alteradas pois deixarão de ser lançados como despesas (diretamente na DRE) e passarão a ser registrados no Balanço Patrimonial. Este fato altera a lógica que estes gastos orçados seguem até impactar o resultado da empresa, pois deixam de ser despesas e passa ser considerados como investimentos.

Além disso, mais contas de ativos não circulantes podem ser necessárias, bem como novas regras de projeção de depreciação pois estes podem ter vida útil e valores residuais distintos das atuais.

Da mesma maneira que na IFRS 15, a adequação à esta norma poderá gerar novas estruturas de controle nos sistemas contábeis e, no caso das empresas que não utilizam planilhas eletrônicas para a elaboração do orçamento empresarial, novos sistemas de controle e interfaces deverão ser construídas ou modificadas.

Estes são os principais possíveis impactos no orçamento empresarial que as empresas poderão enfrentar com a entrada em vigor da IFRS 15 e IFRS 16. Como pode ser observado, apesar das grandes modificações ocorrerem nas estruturas e processos contábeis, poderão existir consequências e necessidades de mudanças nos modelos orçamentários atuais.

Além disso, estas consequências podem fazer com que alguns indicadores financeiros tenham os seus valores modificados, com potencial de mudar a avaliação de desempenho da empresa e gestores, além de eventuais remunerações variáveis relacionadas. Com isso, a criação de novos relatórios e controles gerenciais podem ser necessários.

Desta forma, é importante que os responsáveis pelo orçamento empresarial, em conjunto com a área contábil, estudem as modificações que se aplicam ao seu negócio específico de modo a identificar a eventual necessidade de alterações nos modelos atualmente existentes.

Sobre o autor:

Louremir Reinaldo Jeronimo é  Doutor em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas – FGV EAESP. Professor convidado dos cursos de MBA do FGV Educação Executiva e FGV In Company (Saiba mais)

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8 respostas »

  1. Por toda a minha experiência, não o que pode mudar no orçamento empresarial ao se projetar uma despesa, quer seja chamada de depreciação e ou amortização.
    Com relação ao comentário do Orçamento ser gerencial e não usar a contabilidade financeira ou societária, não tem qualquer lógica já que o resultado da empresa não pode se apresentar com valores diferenciados, a não ser que se use formar de depreciação diferentes da oficial e ou qualquer outro artifício fora das normas/regras legais da legislação. Nestes casos estaremos mostrando valores irreais e o tal gerencial fica totalmente prejudicado, pra não dizer fictício.

    Curtido por 1 pessoa

    • Olá Ilberto, muito obrigado pelo seu comentário, pois ele é muito importante para que possamos cada vez mais gerar novas reflexões.
      Gostaria de esclarecer que a Contabilidade Gerencial é diferente da Contabilidade Financeira por diversos pontos, sendo que uma descrição comparativa detalhada pode ser encontrada no livro Contabilidade Gerencial, 12◦ Edição, dos autores Horngreen, Sundem e Stratton, Editora Pearson – Prentice Hall. Nele será possível encontrar uma comparação de sete aspectos que a diferenciam da contabilidade financeira.
      Os autores definem que “a contabilidade gerencial é o processo de identificar, mensurar, acumular, analisar, preparar, interpretar e comunicar informações que auxiliem os gestores a atingir objetivos organizacionais. Em contrapartida, a contabilidade financeira refere-se à informação contábil desenvolvida para usuários externos como acionistas, fornecedores, bancos e agências regulatórias governamentais”.
      Isso não quer dizer, conforme o artigo pondera, que a contabilidade financeira seja abandonada ao utilizar a gerencial. Pelo contrário, a gerencial, para ter confiabilidade deve ter origem na financeira.
      O que acontece na prática, como os mesmos autores citam é que os princípios contábeis “encerram conceitos ou diretrizes abrangentes e práticas detalhadas, incluindo todas as convenções, regras e procedimentos que, juntos, tornam as práticas as práticas contábeis aceitas em um dado momento. Os relatórios internos da contabilidade, entretanto, não precisam ser restritos aos PCGAs”(Princípios de Contabilidade Geralmente Aceitos).
      A contabilidade financeira é a base para a informação gerencial, sendo que para atender as necessidades de análise dos gestores, originadas de seus modelos de gestão, sofre alterações em relação às normas contábeis. É importante salientar que estas modificações devem ser coerentes e manter a capacidade de conciliação com a contabilidade financeira pois, se isto não existir, deixará de haver confiabilidade em suas informações.
      Nestas duas décadas que temos trabalhado com elaboração de orçamentos, em dezenas de processos foram observadas implantações de regras de contabilidade gerencial, tais como, não considerar provisões referentes a demissões em centros de custos específicos, o que definiria a projeção como custo ou despesa, para alocá-los em conjunto no centro de custo de RH totalmente como despesa. Outro exemplo real é a criação e a utilização no orçamento de usinas de álcool de um produto fictício, substituindo o açúcar e álcool, para avaliar e comparar a eficiência do processo produtivo ao longo do tempo. Sobre o ponto de vista contábil, ambos os exemplos são questionáveis, mas fazem sentido para alta gestão das empresas que visualizam o negócio com estas regras. Assim, os orçamentos, utilizando a contabilidade gerencial, são montados desta forma, mas sempre preservando a consistência das informações da contabilidade financeira.
      Quanto à depreciação e amortização, a IFRS 16 gera modificações na contabilidade financeira, onde diversos contratos de serviços atualmente considerados como despesas passarão a ser contabilizados como ativos e isso gerará modificações em todo o processo, societário ou gerencial. Um farto material sobre o tema pode ser encontrado nos site da KPMG (https://home.kpmg.com/br/pt/home/servicos/auditoria-asseguracao/ifrs/ifrs-16-arrendamento.html).
      Espero ter conseguido esclarecer todos os pontos. Até logo!

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