A velocidade da evolução das tecnologias nos últimos anos tem feito com que a sociedade, as formas de relacionamento e os modelos de negócios sofressem grandes modificações.

Entre os diversos assuntos surgidos neste setor, a inteligência artificial tem tido grande destaque devido ao seu potencial de realização de atividades de maneira inovadora e também aos possíveis impactos na gestão empresarial.

Sobre a perspectiva técnica, a inteligência artificial é baseada no conceito de Machine Learning, o qual é um processo onde são utilizados algoritmos para um sistema acessar dados, analisá-los e então aprender, tornado possível realizar previsões e fornecer alternativas para soluções de problemas. Isto significa que as máquinas com esta tecnologia têm capacidade de aprendizado sem que seja necessária uma programação específica para uma atividade como geralmente são desenvolvidos os sistemas de gestão habituais.

Com relação ao uso desta tecnologia, o que se observa atualmente é uma maior incidência de utilização no relacionamento com clientes, tais como serviços de atendimento e consultas. No entanto, as possibilidades são muitas e há um enorme potencial para que modifiquem de maneira significativa a forma como as atividades das áreas financeiras são executadas.

Neste momento, podem ser observadas ao redor do mundo iniciativas de instituições financeiras para desenvolvimento de  sistemas de inteligência artificial para a execução de atividades extremamente complexas e dependentes de processos manuais. Estas ações têm potencial de reduzir custos, fraudes e melhorar o relacionamento com clientes. Alguns exemplos neste segmento são análise jurídica de contratos, contabilização de operações, aconselhamento de investimentos financeiros por bate-papos, serviços de aplicações automatizados que podem realizar movimentações de capital através de mercados globais em segundos, disponibilização de notícias financeiras ou mesmo acesso imediato a empréstimos com base em informações já compartilhadas pelos clientes, sem que ao menos tenham percebido.

Apesar da concentração no relacionamento com clientes e serviços financeiros, existem diversas empresas atuantes em outras áreas que têm desenvolvido iniciativas para explorar o potencial desta tecnologia.

Uma pesquisa publicada no MITSloan Management Review, em parceria com o Boston Consulting Group – BCG (Findings from the 2017 Artificial Intelligence Global Executive Study and Research Project) faz uma análise de possíveis mudanças nos negócios que vão além de serviços financeiros (http://sloanreview.mit.edu/projects/reshaping-business-with-artificial-intelligence/) e cita alguns exemplos de outros usos:

• A Airbus desenvolveu um sistema de inteligência artificial com os seus históricos de produção, contendo uma infinidade de problemas enfrentados no seu cotidiano e as soluções empregadas. Atualmente, os funcionários, ao se depararem com algum novo desafio, acessam a tecnologia para que esta faça a análise da situação e forneça a melhor alternativa de resolução. Na verdade, um problema novo para um colaborador pode ser semelhante à uma série de ocorrências do passado e o estudo comparativo dos dados permite que seja oferecida, de maneira quase imediata, as possibilidades para solucioná-lo. Com esta ferramenta a Airbus consegue resolver os seus desafios diários com uma agilidade muito maior devido à melhoria em seus processos e eliminação de tempos de análise, bem como de pesquisas, aumentando assim a sua capacidade de entrega.

• A BP Plc, utiliza um sistema que contém o seu histórico de dados de perfuração com a evolução de indicadores e consequências, para que o sistema, através do conhecimento dos parâmetros passados, analise as informações que estão sendo geradas nas operações atuais e possibilite aos engenheiros manter a sua operação em níveis ideais e seguros. Além disso, o software ao acompanhar os procedimentos de perfuração, pode alertá-los em relação a possíveis riscos no processo.

Estes são alguns exemplos de utilização real desta tecnologia em atividades totalmente distintas das comumente encontradas, para que se possa visualizar tanto o seu potencial quanto possíveis formas de uso.

Especificamente nas áreas contábeis e financeiras (controladoria, contabilidade, tesouraria, fiscal, etc.), as iniciativas estão ainda em fase inicial, mas já podem ser observadas algumas aplicações que prometem oferecer serviços de contabilização, análise de riscos e compliance fiscal de maneira inovadora.

No entanto, com o passar do tempo, possivelmente as empresas começarão a se deparar com sistemas com potencial de modificar toda a sua atual estrutura de trabalho, podendo fazer com que a forma como as atividades são executadas seja radicalmente modificada. Na verdade, grande parte do trabalho realizado por estas áreas são operacionais e tem potencial de serem substituídas por sistemas de inteligência artificial.

Alguns exemplos de atividades operacionais que podem ser realizadas por estes sistemas são:

• Disponibilização de informações e relatórios construídos de maneira personalizada e imediata: esta tecnologia tem a capacidade de aprender a estrutura das análises realizadas pelos gestores, as relações de causa e efeito nos dados disponibilizados pela operação e gerar análises comparativas nunca executadas pelas áreas de controle. O processo atual de geração de relatórios pode ser substituído por solicitações de informações pelos gestores, de modo que a estruturação dos dados de consulta seja feita em tempo real e com visualizações alternativas que complementem a pesquisa solicitada. Esta seria uma forma totalmente diferente de relacionamento e acompanhamento das informações de gestão empresarial e que pode mudar a forma como atuam as áreas de planejamento e controle, por exemplo, no processo de acompanhamento do orçamento empresarial com a análise  do real versus orçado;
• Auditoria de despesas: sistemas podem conter todas as regras de uma empresa quanto à aprovação de despesas, o que permitiria uma análise de adequação às regras internas nas solicitações de pagamentos e reembolsos de maneira imediata, ao invés de utilizar procedimentos de análise via amostragem;
• Definição de remuneração variável por desempenho: a avaliação de mérito para determinação de bônus atualmente é realizada por processos de avaliação interna, muitas vezes contendo alguns parâmetros subjetivos e passíveis de vieses de análise, pode ser substituída por um sistema que compreenda tanto as regras quanto as métricas e determine o resultado mais adequado. Na verdade, derivado do próprio conceito da tecnologia, esta poderia identificar e sugerir novos indicadores de desempenho que sejam mais alinhados a execução da estratégia da empresa;
• Análise de viabilidade de projetos: o processo tradicional, baseado em cenários, pode ser substituído pela realização de milhares de testes e comparações em segundos, tarefa praticamente impossível de ser executado atualmente e capaz de fornecer uma visibilidade maior sobre os riscos do negócio. Na verdade, com o processo de aprendizado, um sistema pode realizar comparações com cenários semelhantes reais já ocorridos, para que sejam previstas situações de impacto. Um processo como este iria muito além da tradicional análise financeira baseada em indicadores, ou mesmo da realização da simulação de Monte Carlo para avaliação de risco;
• Análise de crédito: da mesma maneira que alguns bancos têm utilizado uma série de informações dos clientes e realizado análises para determinação de liberação de empréstimos, este processo pode ser utilizado também pelas empresas de outros segmentos, tanto para análise de pessoas físicas quanto jurídicas.

Estes exemplos tem o objetivo de fazer com que se  possa visualizar as possíveis modificações pelas quais as empresas podem passar em um futuro breve, tanto na gestão contábil e financeira, quanto na administrativa em geral.

Este novo ambiente tende a alterar o perfil dos gestores financeiros, pois estes deverão lidar mais intensamente com atividades analíticas ao invés de processos operacionais e repetitivos. Desta forma, em associação com diversas outras evoluções tecnológicas, haverá uma grande modificação na estrutura de trabalho que permitirá aos executivos de finanças aumentarem a sua participação na gestão estratégica do negócio, fornecendo informações relevantes para melhorar a gestão e resultado.

Tanto as empresas, quanto as pessoas que atuem nesta área, devem estar atentos à estas novidades para que possam se adequar à mudanças em seu ambiente. A não compreensão das modificações impostas pelo mercado pode fazer com que, no médio prazo, negócios deixem de existir ou profissionais tenham cada vez mais dificuldades em se enquadrar na nova realidade.

Um ponto de dúvida a ser destacado se refere ao mercado de trabalho. Uma grande preocupação recorrente com relação às novas tecnologias de gestão é quanto à eliminação de empregos. Com a efetivação da tendência apresentada, certamente uma série de funções, atualmente fundamentais, deixarão de existir ou serão drasticamente reduzidas. No entanto, em caminho inverso, esta nova realidade fará com que surjam novas funções, tendendo à gerar uma compensação. Este é um histórico que acompanha a evolução do mercado de TI, sendo mais um ponto que evidencia a importância para os profissionais da área financeira em se prepararem para este possível novo cenário.

Sobre o autor:

Louremir Reinaldo Jeronimo é  Doutor em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas – FGV EAESP. Professor convidado dos cursos de MBA do FGV Educação Executiva e FGV In Company (Saiba mais)

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