Nas últimas décadas, tanto as pessoas quanto as empresas têm vivenciado diversas mudanças no seu dia a dia em virtude de novas tecnologias. Alguns exemplos de inovações que modificaram totalmente a dinâmica de relacionamentos e processos são os celulares, internet, e-mails e aplicativos, entre diversas outras novidades.

Em virtude das modificações geradas, uma série de novas atividades surgiram, assim como outras perderam o sentido e desapareceram.

É um engano acreditar que outras novidades com potencial de modificar o comportamento das pessoas e empresas deixarão de surgir. Na verdade, atualmente diversas outras tecnologias estão em amplo desenvolvimento e têm potencial de alterar tanto a forma como as pessoas vivem, como também a maneira como diversas tarefas são executadas nas empresas, sendo uma das mais comentadas a inteligência artificial.

No entanto, uma outra tecnologia menos conhecida pelo público em geral tem sido desenvolvida e pode trazer grandes impactos em atividades de controle e, consequentemente, em processos contábeis. Chamada de Blockchain, esta é a base que permite a confiabilidade e existência das moedas eletrônicas, sendo a mais popular o Bitcoin.

Independentemente da polêmica sobre o Bitcoin ser ou não uma bolha, a tecnologia que permitiu o seu desenvolvimento pode ser utilizada em diversas outras atividades que exigem confiabilidade e rastreabilidade nas informações, podendo mudar radicalmente alguns processos atualmente considerados rotineiros.

O Blockchain pode ser entendido como uma base de dados aberta e descentralizada que tem como objetivo gerar segurança nos registros de dados. Através de compartilhamento e segmentação, pode-se criar um registro global de qualquer transação ocorrida de forma permanente e à prova de violação. O seu processo faz com que a cada nova transação envolvendo um determinado objeto ocorra um registro complementar, mantendo todo o seu histórico de movimentação desde o surgimento do item a que se refere. Além disso, este registro é validado e mantido por uma rede de computadores distribuída e compartilhada, gerando consistência e a impossibilidade prática de manipulação de seus dados, pois de nada adiantaria a modificação em um local uma vez que ainda existiriam dezenas de outros que automaticamente invalidariam a informação inconsistente que eventualmente tenha sido objeto de fraude.

A cada nova operação, os blocos de dados são sobrepostos e têm um link para os registros anteriores, gerando uma cadeia com a informação completa, impossibilitando que qualquer alteração possa ser realizada em dados passados.

Este tema, bastante tecnológico, pode mudar radicalmente alguns dos processos e atividades atualmente executadas pelas áreas de gestão, especialmente a contábil e de auditoria.

Um exemplo simples para compreender as possíveis mudanças que podem ser geradas por esta tecnologia são os processos de conciliação existentes nas empresas. Esta atividade é repetitiva, lenta, trabalhosa e ao mesmo tempo necessária, pois existem trocas de informações em diversas origens que podem conter enganos e manipulações. A partir do momento em que os dados das fontes de informação são armazenados através de Blockchain, gera-se um registro histórico único de todas as suas movimentações de maneira segura e compartilhada. Desta forma, não haveria a necessidade de conciliação e muito menos de auditoria nas duas fontes, pelo menos da forma como atualmente é realizada, pois estas utilizariam a mesma base segura e controlada.

Com o uso desta tecnologia, a confiança é fator inerente ao processo, fazendo com que não seja mais necessária a infinidade de conferências para validação de dados gerados pelos sistemas. Com relação aos trabalhos de auditoria, esta possível nova realidade  pode modificar diversos de seus processos, tempos de execução e consequentemente custos envolvidos na operação. Na verdade, algumas atividades podem se tornar desnecessárias.

As modificações que podem surgir, derivadas de seu uso, abrangem todos os processos que necessitam manter registro histórico de informações e rastreabilidade, tais como, comércio de diamantes, operações de compra de venda de gado, negociações com automóveis, registro de imóveis, etc. Todos estes exemplos necessitam de dados passados confiáveis para que não sejam passíveis de fraude, mas com a utilização de documentos tradicionais corre-se o risco de adulterações, demandando elevados custos de conferência para dar segurança às operações.

Com o Blockchain, a cada novo registro, todo o histórico desde o surgimento do item é registrado e mantido continuamente, através de grande segmentação e de uma infinidade de pontos de validação independentes.

No processo contábil, o uso desta tecnologia aumenta a segurança pois um registro não pode ser alterado. Na verdade, caso exista a necessidade de correção de qualquer dado, devido à um erro de lançamento, por exemplo, esta ação será permanentemente apresentada com os dados originais, seguidos dos ajustes e por fim o resultado final de modo de toda a ação fique permanentemente detalhada. Isto impediria qualquer tipo de manipulação.

Este cenário apresentado, o qual pode parecer estar muito distante da realidade, já está em amplo desenvolvimento. A principal evidência de sua confiabilidade é que um dos setores que mais tem investido em seu desenvolvimento é o mercado financeiro, o qual necessariamente deve ter extremo cuidado com as suas informações e controle de operações. Neste segmento, existem iniciativas no Santander, Nasdac, BMF&Bovespa e Australian Securities Exchange, por exemplo.

Os profissionais da área contábil não devem ignorar as possíveis mudanças que podem surgir em virtude da utilização desta tecnologia pois, como várias das mudanças tecnológicas do passado alteraram diversos negócios, é muito provável que muitas das suas atividades atuais venham a se modificar completamente e, como a história tem mostrado, algumas oportunidades podem surgir assim como outras funções desaparecer.

Sobre o autor:

Louremir Reinaldo Jeronimo é  Doutor em Administração de Empresas pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas – FGV EAESP. Professor convidado dos cursos de MBA do FGV Educação Executiva e FGV In Company (Saiba mais)

Artigo relacionado:

O potencial da Inteligência Artificial em modificar a atuação da área financeira empresarial